As cidades exercem papel protagonista na vida humana, para uma boa qualidade de vida esses espaços devem ser adequados à escala e ao contexto. Atividades físicas, de lazer, intercâmbio de cultura, mercadorias e informações podem acontecer de forma livre e espontânea em uma cidade onde o planejamento é direcionado para a escala humana. O lazer deveria ser um direito de todos e estimulado diariamente como forma positiva de educação e desenvolvimento de bons cidadãos.
Intervenção "Equipamento extraordinário", São Paulo, 2014
Nas cidades latino americanas os espaços urbanos são o reflexo da desigualdade. As áreas públicas foram reduzidas a função de circulação, sendo destinadas principalmente aos automóveis particulares - incluindo as áreas de estacionamento - e os passeios para pedestre têm manutenção precária e são desconectados.
Essas cidades ainda estão sendo planejadas e desenvolvidas dentro do contexto rodoviarista e de desigualdade social, refletindo a segregação urbana. O espaço público acaba sendo privilégio dos automóveis e os espaços de qualidade são destinado a poucos, enquanto a grande massa vive sucumbida ao que lhes está sendo apresentado. As conexões urbanas não precisam ter uma função exclusiva de circulação, como acreditava-se no modernismo, o lazer urbano deveria estar conectando e articulando à cidade.
É importante definir aqui lazer como o tempo de não-trabalho, onde poderíamos exercer qualquer atividade que não seja necessária para garantir a sobrevivência. Logo, a cidade possibilita ou impede a fruição do tempo livre? Estamos gastando mais tempo exclusivamente nos locomovendo ou realmente aproveitando este tempo?
“Nesse sentido, quando a cidade se transforma em um lugar absolutamente inóspito, sem qualquer possibilidade de prazer, ao invés de um lugar onde as pessoas se sintam inseridas na harmonia de uma comunidade urbana, o lazer estará restrito a espaços e tempos determinados. Essa situação agrava-se ainda mais porque não se vive o lazer de forma abrangente, como uma idéia de prazer percorrendo o cotidiano, inclusive o tempo de trabalho e o dedicado às atividades necessárias para a sobrevivência."
Intervenção "A cidade é para brincar", São Paulo, 2013
“De um lado estão os que defendem, de forma manifesta ou oculta, a necessidade de preservar o privilégio da qualidade de vida em áreas da cidade onde ela seja viável apesar dos ataques deste ambiente geralmente sombrio, funesto e inseguro. Essa defesa da qualidade de vida, na prática, se traduz na delimitação de espaços segregados, uma espécie de oásis recortados e avulsos dentro da cidade, convertendo-a, hoje, em um território totalmente fragmentado, onde imperam a selvajaria e a marginalidade. Esses espaços públicos, por definição, heterogêneos, estão condenados a deteriorar-se e a morrer se reduzidos à condição de vias de circulação rápida – normalmente motorizada – para ligar territórios privados, ainda que esses sejam seguros e belos. Para essa visão do urbano, o destino da cidade como um todo parece importar muito pouco, desde que se garante uma acessibilidade segura, rápida, controlada e até exclusiva entre os pontos com qualidade de vida.”
O lazer de cotidiano é aquele que melhora a qualidade de vida do entorno urbano. São os passeios arborizados com calçadas confortáveis, que atravessam praças com crianças brincando, pessoas conversando, lendo, escutando música, se entretendo, se informando. E não é somente a praça, mas toda e qualquer possível área de encontro, de contemplação, de descanso, de sossego, de caminhar, de correr, de andar de skate, de estar seguro.
À medida que a cidade passa a ser privatizada o lazer começa a se tornar um privilégio e os espaços públicos que poderiam ser destinados a lazer de cotidiano são reduzidos a local de acesso e circulação. Qualidade urbana e qualidade de vida estão diretamente relacionadas, todos defendem e almejam a qualidade de vida, independente da maior ou menor inserção na cidade e da condição social.
Instalação "Gatos", rio de janeiro, 2015
“ Até o momento, viemos caminhando de acordo com um modelo de cidade que nega a possibilidade de uso do espaço público e intensifica a privatização da vida, o fechamento da homogeneização dos espaços e que está nos levando à desorganização social e ao caos urbano. É preciso implementar uma política de investimento muito clara na retomada da qualidade do espaço da cidade, na retomada da sua multifuncionalidade e beleza, na retomada da idéia de uma cidade que conecta usos, funções e pessoas diferentes, em segurança. Esse modelo não só é urgente para quem defende uma posição mais democrática de utilização do espaço público, da vida pública, mas também porque é mais sustentável.”
As citações são do artigo de Raquel Rolnik, "O lazer humaniza o espaço urbano", 2000, e as intervenções nas imagens são do coletivo Basurama, que faz um trabalho incrível a partir de resíduos e materiais descartáveis. Recomendamos uma visita ao site.
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