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João Filgueiras Lima, ecologia e racionalização

via Vitruvius

João Figueiras Lima nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1932. Sua formação foi marcada pelo rigor da escola militar, como cadete da marinha, e pela sensibilidade da música, ofício do pai pianista, ambivalência que marcará sua trajetória de vida e a própria obra. Jogando futebol no time juvenil do Vasco da Gama, ainda garoto ganha o apelido “Lelé”, alcunha usada pelo jogador da mesma posição no time profissional.


Em 1955, forma-se arquiteto e urbanista pela Universidade do Brasil – atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – e, ainda estudante, aproxima-se do arquiteto e pintor Aldary Henriques Toledo, figura importante para sua formação. Na casa do tutor e amigo, que organizava frequentes encontros com artistas e intelectuais, Lelé conhece Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Cândido Portinari e Darcy Ribeiro.


Em 1957, Lelé recebe o convite de Aldary Toledo para trabalhar no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB), na época responsável pela construção de moradias para seus associados. A seguir, Lelé é contratado como engenheiro de obra para a construção de Brasília e torna-se o responsável pelo projeto das habitações no canteiro da Superquadra Sul, SQS 108, um total de onze blocos desenhados por Niemeyer. Além disso, com Toledo e Luigi Pratesi – também arquiteto do IAPB –, projeta e constrói na SQS 109 dois grandes blocos habitacionais, com expressivos 133 metros de comprimento e 15 metros de largura. Em 1962, a convite de Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer – respectivamente, reitor da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Centro de Planejamento (Ceplan) –, Lelé participa da concepção e execução dos principais edifícios da universidade.

Data deste período o início de seus estudos sobre a racionalização e industrialização da arquitetura e também sua primeira viagem ao Leste Europeu, onde visita fábricas e construções executadas pelos países socialistas. Na época estava em voga na região um sistema pré-fabricado de painéis de concreto, com janelas, portas, instalações hidráulicas e elétricas incorporados, desenvolvido nos anos 1950 pela empresa Raymond Camus. Montadas no canteiro com auxílio de gruas, as peças – com espessura de 14 centímetros e peso aproximado de 6 toneladas – resultam em uma edificação monolítica.


Em 1965, Lelé e outros 209 professores e servidores pedem demissão em protesto coletivo contra a repressão na universidade, em curso desde o golpe militar ocorrido no ano anterior e que tinha resultado na cassação do reitor Darcy Ribeiro. A partir de indicação de Oscar Niemeyer, em 1967 Lelé inicia o projeto do Hospital de Taguatinga, obra fundamental em sua trajetória profissional, pois ali têm início sua reflexão e prática sobre a construção de grandes complexos hospitalares.

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Afinidades eletivas: Richard Neutra e Jean Prouvé


Segundo Sergio Ekerman, Lelé “foi capaz de desenvolver ao longo de sua carreira uma obra única, mesmo no contexto internacional, extremamente ligada a dois aspectos básicos da construção: o clima e a pré-fabricação”. Mesmo sendo única, é possível verificar na obra do arquiteto brasileiro uma interlocução com ideias e realizações de dois arquitetos fundamentais, atuantes no segundo pós-guerra.


Admirador confesso de Richard Neutra, Lelé tem no ideário do arquiteto austríaco uma referência importante para suas primeiras obras, em especial a íntima relação entre a arquitetura e a paisagem, e a preocupação com a racionalização e industrialização da construção. O uso de estruturas leves de aço pelo arquiteto austríaco também lhe chama a atenção em outro momento de sua carreira. Radicado nos Estados Unidos desde 1923, Neutra estabelece uma forte relação com o Brasil entre os anos de 1940 a 1960, fruto de viagens, apresentações, exposições, troca de correspondência com arquitetos brasileiros e a publicação, em São Paulo, do livro Arquitetura social em países de clima quente, onde conta sua experiência de Porto Rico com projetos sociais, como escolas, hospitais e habitações. A amplitude do significado da arquitetura para Neutra – a inserção do homem no ambiente natural, o compromisso social e a construção como fato técnico-industrial – ecoam de forma profunda na visão de mundo de Lelé.

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As relações entre as obras de Lelé e de Richard Neutra podem ser observadas na escola projetada para Abadiânia, pequena cidade no interior do país. A precariedade da localidade em todos os aspectos – social, econômico, tecnológico etc. – leva Lelé a um projeto espartano, com acabamentos simples e um sistema construtivo com apenas dezesseis componentes de argamassa armada. Diante da impossibilidade de usar elementos industrializados de mercado, a escola não possui vidros e as portas pivotantes são de madeira, desenhadas pelo próprio arquiteto. As grandes dificuldades enfrentadas no projeto são revertidas pela engenhosidade das soluções técnicas; a qualidade construtiva se multiplica com a espacialidade da sala de aula, cujo espaço interno se integra – graças às portas pivotantes que abrem 100% – às plantações vizinhas, propiciando uma completa liberdade entre a escola e a natureza ao redor –, situação idêntica à obtida por Richard Neutra no seu projeto de escola para Porto Rico. Os ensinamentos de Neutra irão habitar diversas obras de Lelé ao longo do tempo.


Mais focado no aspecto técnico-construtivo, é também evidente que Lelé – quando inicia sua pesquisa voltada para a industrialização com componentes leves – olha com atenção para as pioneiras experiências realizadas por Jean Prouvé com chapas metálicas finas, que permitem ao arquiteto francês a produção seriada de artefatos arquitetônicos em condições socioculturais de baixa capacidade de industrialização, caso específico do protótipo da Casa Tropical para a colonização francesa no norte da África. A simplificação ao limite de uma construção estandardizada leva à montagem manual das obras, evitando maquinários pesados e superando a inviabilidade da execução devido aos altos custos.

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A busca por uma montagem de componentes leves desenhados segundo conceitos de design industrial é comum em Prouvé e Lelé; ambos, controlando o projeto desde os primeiros riscos, fogem da figura do “arquiteto especificador”. Prouvé alerta para o quanto é importante o arquiteto controlar integralmente a obra, fato que garante sua execução conforme o idealizado. Seguindo o princípio do mestre, Lelé adota chapas finas dobradas, que permitem acabamentos especiais conforme necessidades específicas. As vigas, por exemplo, somam as funções de calhas pluviais, calhas elétricas e base para fixação de equipamentos de ambientação. Engenhosidade construtiva em prol da produção racionalizada em condições sociais com limitações tecnológicas e econômicas.


O arquiteto João Filgueiras Lima destaca-se por sua capacidade de invenção, apuro técnico e valorização da cultura construtiva brasileira. Não só reconhece as possibilidades técnicas e tecnológicas de seu tempo e as dificuldades sociais do Brasil, como trabalha com afinco ao longo da vida para ultrapassá-las com uma obra engenhosa, equilibrada em princípios e atitudes humanistas: buscar uma arquitetura que harmonize o homem e o meio natural, contribuir para a emancipação social da coletividade. Além do aporte ideologicamente engajado na defesa das camadas mais pobres e necessitadas, suas obras valorizam a beleza e criatividade das formas inventadas pelos mestres que o antecederam, fugindo da mera cópia e respeitando um legado rico e inspirador.




Esse texto foi extraído de João Filgueiras Lima, ecologia e racionalização, escrito por Abilio Guerra e André Marques no site Vitruvius

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