Gostaria que não tivesses nome e se o tivesses, não fosse de homem, fosse de Vento: Praça de Sonho.
Não precisava haver em ti nenhum relógio, nenhuma lâmpada, nenhuma lógica. Fonte nenhuma.
Existirias sem nada disso. Tinhas que ser, és o que és, Existirias
(o que se fixa no olhar disperso dos transeuntes
é o que se altera no olhar transverso dos que te habitam).
Existirias porque teus loucos te criariam e não fossem eles o homem comum te sonharia;
existirias porque tuas putas te sonhariam e não sendo elas as que são santas te criariam;
e se não fosses o púlpito para os alucinados de Deus, uma confraria de ateus te fundaria.
E se os teus velhos não tivessem em teus bancos o ardor dos colegiais, e as anciãs não vagueassem por ti lambuzadas de cosméticos, jovens desesperadas em tuas árvores armariam suas forcas, e te edificariam com seus atos.
E se os apressados não reduzissem os passos ao te cruzar os mutilados se apressariam em te criar. Os mendigos o fariam, ou os viciados, ou os homens ricos, ou este vira-latas. No entanto tu és a construção inacabada do dia-a-dia que mãos opostas edificam em mutirão.
E se ninguém, nem mesmo o Mito, te tivesse criado, eu te criaria, pois sou um pouco de todos os que pulsam em ti. E se não posso cantar o mundo, te canto, ó praça dos boticários, ó praça das rameiras dos estrangeiros das balconistas das crianças perdidas dos deserdados das bem sucedidas dos desocupados das bêbadas dos que se irradiam, Ó praça do mundo inteiro.
Há um relâmpago sobre ti que não se apaga, que vem dos vivos do olhar dos vivos da voz dos vivos e das suas almas. És o que és Praça da Luz o espaço que alforria as peles de toda cor E todos os que estão em ti ardem do que são os pequenos ladrões as grandes ladras os cafetões e as namoradas com seus olhares enigmáticos os gazeadores os artistas sem ribalta as gordas e magras os anjos caídos as moças grávidas os avarentos os demagogos os apostadores todas as mágicas todos os mágicos mestres da vida E esta menina em laços de fita dando milho aos pombos, que é teu monumento Te quero sempre assim incompreensível ó Praça Sempre assim à beira do delírio.
Post original do site Archdaily