Teatro Oficina | Foto: Nelson Kon
Lina Bo Bardi não apenas fez edifícios; representou o espírito do seu tempo a partir de uma intensa produção cultural. Além de ilustradora, cenógrafa, designer, escritora, curadora e artista visual, ela compreendeu a cultura brasileira, disseminando um espírito moderno que transformou as formas de se entender a arte e a arquitetura no Brasil. Nos seus textos analíticos e críticos prevalece uma visão social. Isso mostra uma característica forte de sua atuação que sempre acreditou na arte popular, não como folclore exótico, mas sim como ação coletiva catalisadora de arranques sociais.
Sendo assim, a arquiteta tornou-se um ícone da ideologia que compreende a mulher multifacetada, que aponta as nuances de uma sociedade que ainda impõe a constante busca pela igualdade de gênero, de direitos políticos e, principalmente, por espaço no mercado de trabalho, na produção intelectual e na esfera pública. Ela era uma mulher faber sapiens sapiens, ou seja, aliava a concretude e materialidade do seu trabalho ao conhecimento, deixando um legado para o Brasil.
Lina Bo Bardi | Autor desconhecido
Vinda de uma Itália devastada pela segunda Grande Guerra, Lina Bo aportou no Brasil com seu marido, o crítico de arte e jornalista Pietro Maria Bardi, e foi recepcionada pela vista do prédio moderno do Ministério da Educação e Saúde (Mesp), hoje Palácio Gustavo Capanema. Era o sinal de uma nova vida, simbolizada pelas brises e por uma estrutura revolucionária, projetada por Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Machado Moreira, Carlos Leão e Ernany de Vasconcelos, que tiveram como referência estudos feitos por Le Corbusier. Por tal recepção, ela chamaria o prédio de “bela criança”.
Sua obra e história de vida estão atreladas aos primeiros movimentos de vanguarda do início do século XX que buscavam a arte libertária por meio da renovação poética e social, acelerada pela modernidade. Mas com as experiências nazista e fascista na Europa, o mundo para um arquiteto não era de construção e sim destruição. O projeto moderno se viu interrompido pelo totalitarismo.
Solar do Unhão | Foto: Manuel Sá
"Aqueles que deveriam ter sido anos de sol, de azul e alegria, eu passei debaixo da terra, correndo e descendo sob bombas e metralhadoras. Em tempos de guerra, um ano corresponde a cinquenta anos; e o julgamento dos homens é um julgamento de pósteros. Entre bombas e metralhadoras fiz um ponto da situação. O importante era sobreviver. Mas como? Senti que o único caminho era o da objetividade e da racionalidade. Um caminho terrivelmente difícil, quando a maioria opta pelo desencanto literário e nostálgico. Sentia que o mundo podia ser salvo, mudado para melhor, que esta era a única tarefa digna de ser vivida. Entrei na resistência com o partido comunista clandestino. Só via o mundo em volta como realidade imediata e não como exercitação literária abstrata."
- Lina Bo Bardi
Ao chegar ao Brasil encontra um momento propício à produção intelectual e artística. Os ideais empreendidos desde a semana de Arte Moderna de 1922 estavam em plena consolidação e personagens da cultura brasileira vinham assumindo cargos políticos importantes, contribuindo para empreender um projeto de modernização do país. É nesse cenário, que Lina Bo Bardi vem se encaixar como peça fundamental imprimindo sua verve social que valorizava o ambiente da vida humana e não apenas uma arquitetura monumental e teatralizada que se resume no edifício, mas que reverbera posições políticas e busca a reflexão.
Seu empreendimento mais emblemático foi o Museu de Arte de São Paulo (MASP), com um vão livre que provocou uma fala emblemática do músico John Cage: “é arquitetura da liberdade”. Além disso, Lina atuou, juntamente, com Pietro Maria Bardi na construção de um dos acervos mais importantes da América Latina, já tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
MASP | Foto: Pedro Kok
Todo seu trabalho é carregado de um significado cívico-coletivo, ou seja, busca a comunicação e o uso pelo povo, pois para ela “a verdadeira liberdade só pode ser coletiva. Uma liberdade ciente da realidade social”.
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