O Movimento Negro Unificado
O Movimento Negro Unificado, iniciado em 1978, em plena ditadura militar, sempre teve como fundante a congregação de diversos movimentos étnico-raciais, fortalecendo as organizações de luta de classe e raça. Em seu plano de luta, o movimento ajuda a organizar a população negra, esteja ela onde estiver.
Desde seu início, a luta segue uma visão diferente de sociedade, mais igualitária e sem a exploração de homens e dos recursos naturais.
Nesta visão, o MNU nacional inicia seu trabalho com os quilombos em 1995, em Goiás, e desde então, ele tem se aproximado dessas comunidades em todos os Estados, como é o caso de Santa Catarina, onde o Movimento já existe há 25 anos.
Os Quilombos Os territórios quilombolas são comunidades organizadas desde muito antes da lei áurea no Brasil. Nesses locais, a organização comunitária e o compartilhamento sempre estiveram presentes, e foi justamente essa organização que possibilitou a própria sobrevivência de seus habitantes. Essa visão sempre diferenciou estas comunidades da sociedade branca de origem europeia, e manteve-se até os dias de hoje pelo afastamento dos quilombos em áreas rurais dos centros urbanos majoritariamente brancos.
Nestas organizações sociais, nunca houve e ainda não há a ideia da terra como propriedade privada. O território é coletivo, e dele depende a sobrevivência das pessoas e de sua cultura. Por isso, falar sobre moradia quilombola traz necessariamente a questão da luta pela terra e pelo território. E nesta luta, é a própria organização da comunidade que a empodera.
"A terra é a mãe que produz a vida, e se ela produz a vida, não deveria estar sob domínio de ninguém."
Arquitetos e a organização comunitária
Somos mais de 100.000 arquitetos, presentes em cerca de 90% das cidades brasileiras. Cruzando esses dados com a população do país, temos uma relação semelhante de arquiteto por habitante à países ditos desenvolvidos, como a Inglaterra e a Finlândia. Porém, apenas 5% da população tem acesso ao trabalho do arquiteto urbanista.
A realidade social que a maior parte dos estudantes e profissionais de arquitetura vive é completamente diferente da realidade da maior parte da sociedade brasileira. Esse fato, juntamente com as diversas lacunas na formação, dadas principalmente pelas rígidas fronteiras entre o meio acadêmico e o meio social, nos coloca na profissão despreparados para a realidade.
Fato é que a maior parte das instituições ensinam a arquitetura e a engenharia para atender demandas de uma população mais rica. Assim, nega-se para o restante da sociedade o direito básico da moradia - atrelado fortemente ao direito à cidade, à mobilidade, à segurança, à saúde. Sem políticas públicas intensas para garantir esses direitos às populações periféricas, a organização comunitária é o que as mantêm vivas.
E para poder agir nessa realidade majoritária, é necessário que reconheçamos as relações sociais existentes. É necessário conhecer os modos de vida diferentes do nosso. É necessário respeitar a organização das comunidades, e estar atentos para que elas se mantenham cada vez mais vivas, já que para muitos, é o que mantêm as pessoas vivas.
ATHIS na prática
Segundo a Constituição do nosso país, todo cidadão tem direito à moradia digna, assim como tem direito a saúde e educação. Porém, sabemos que estamos longe de alcançar esse direito de forma plena. Com vinte anos de atraso, em 2008, a Lei da Assistência Técnica vem para tentar garantir esse direito. Hoje, quase 10 anos já se passaram e temos muito o que desenvolver para tirar esse direito do papel e o colocarmos em prática.
Mais de 85% dos brasileiros constroem sem a assistência de técnicos - arquitetos ou engenheiros. Esse dado é facilmente entendido quando se olha para nossas cidades, tomadas de cortiços e favelas - respostas práticas para os problemas impostos pela urbanização descontrolada das últimas décadas.
Porém, por mais injusta que seja, a cidade é um direito de todos. Nela, o cidadão mora, trabalha e se relaciona com outros. Ela tem uma função social importantíssima, ainda que não tenha dado todas as condições para a maior parte de sua população viver de forma plena. Como urbanistas, devemos defender essa função social nas nossas cidades. Como arquitetos, devemos garantir o direito à moradia digna de cada brasileiro.
Aqui em Santa Catarina (assim como na maior parte do país), a assistência técnica ainda não é uma realidade. Não há uma regulamentação que proporcione a troca entre técnicos e a população de baixa renda, que permita se construir com melhor qualidade e de forma mais segura.
Outra importante dimensão para se pensar quando trabalhamos com a assistência técnica é o despreparo dos profissionais. Não somente em relação á técnica, mas também pela visão diferente que as comunidades de baixa renda têm da moradia, do território e das relações sociais.
É preciso saber e ter em mente o tempo todo que habitação não é tão somente uma estrutura física, paredes, um teto. Apesar de esta ser a visão pragmática do poder público e de uma grande parcela da população, para as comunidades, a arquitetura, a casa e as relações com o entorno são a própria identidade das pessoas. Elas representam uma possibilidade de cidadania.
O problema habitacional se mantem, apesar dos pesados investimentos na última década na construção civil. Porém, têm-se algumas iniciativas e ideias que podem nos dar pistas de possíveis saídas. Apesar dos valores infinitamente maiores que são investidos no âmbito do Programa MCMV em grandes construtoras, existem diversos programas que possuem recursos não para as grandes empresas, mas para entidades que visam trabalhar para garantir habitação para comunidades organizadas, de forma mais justa e transparente.
É o caso, por exemplo, do Programa Nacional de Habitação Rural. O PNHR foi criado pelo Governo Federal no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, com a finalidade de possibilitar ao agricultor familiar, trabalhador rural e comunidades tradicionais o acesso à moradia digna no campo, seja construindo uma nova casa ou reformando/ampliando/concluindo uma existente.
Nós da URBE, juntamente com o Professor Samuel Steiner dos Santos e alunos o PET do curso de arquitetura da UFSC, prestamos assistência técnica na construção de habitação para a comunidade quilombola Toca Santa Cruz, em Paulo Lopes. O caso é um ótimo exemplo de um projeto dentro do PNHR, e foi uma grande conquista da comunidade depois de anos de luta junto ao Movimento Negro Unificado, em Santa Catarina. Para saber mais do projeto, fique de olho nas nossas redes.
O texto foi produzido a partir das reflexões feitas no evento Conversas Urbanas #5, que aconteceu aqui na URBE em agosto de 2018. Você pode vê-lo na íntegra em nosso canal do Youtube.
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