Quem passa pelo Parque da Juventude, em São Paulo, em meio a seus belos e generosos espaços permeados pelo paisagismo e a presença da população usufruindo-o, até se esquece do quão trágico já foi o espaço.
Presente na memória dos paulistanos como espaço marcado pela violência, a área com mais de 240 mil metros quadrados, localizada no barro de Santana, na zona norte da capital paulista, até 2002 abrigou o antigo Complexo Penitenciário do Carandiru, historicamente conhecido como o maior da América Latina. Se não bastasse a imagem negativa, a área praticamente rejeitada pelo Estado e sociedade, em 1992 ocorreu ali o massacre de 111 presos, retratado em músicas, livros e no cinema.
“Cachorros assassinos, gás lacrimogêneo... quem mata mais ladrão ganha medalha de prêmio! O ser humano é descartável no Brasil. Como modess usado ou bombril. Cadeia? Guarda o que o sistema não quis. Esconde o que a novela não diz."
- Diário de um detendo - Racionais Mc's
Sete anos depois, em 1999, o Governo do Estado de São Paulo promoveu concurso público à concepção arquitetônica e planejamento do batizado Parque da Juventude. Entre as propostas, o projeto concebido pela arquiteta paisagista Rosa Kliass conjuntamente ao escritório Aflalo & Gasperini, composto pelos sócios Gian Carlo Gasperini, Luís Felipe Aflalo Herman e Roberto Aflalo Filho, quem desenvolveu os edifícios, foi vencedor.
A proposta foi dividida em três fases, sendo construída em etapas.
Na proposta, o espaço marcado pelo passado obscuro deu lugar a uma nova página na história local. Com o fechamento do presídio em 2002 e transferência dos presos a outros complexos pelo estado, parte dos antigos edifícios foram explodidos. Com o projeto em mãos, a primeira etapa da obra foi responsável por construir uma nova paisagem e espaço dedicado à área esportiva, com entrada pela Avenida Zaki Narchi.
Na primeira etapa, inaugurada em 2003, com 35 mil metros quadrados, além das quadras poliesportivas e pistas de skate, o paisagismo foi o maior contribuinte à nova espacialidade. Com papel ativo, o projeto de Kliass estabeleceu a vegetação conformando planos de teto e pisos, isto é, as árvores laterais e suas coberturas conformaram espaços sombreados; as terras movidas criaram leves topografias na área gramada; criando aberturas destinadas às áreas caminháveis.
As ruínas e estruturas do antigo pavilhão ainda em fase construção na época, ao fundo do terreno, também foram preservadas, e por meio da instalação de decks, passou a interligar as estruturas, permitindo caminhada pelo espaço e observação.
A segunda etapa da obra, definida como área central, foi inaugurada em 2004. Pensada como espaço de contemplação, justifica a ausência de equipamentos públicos, dispondo apenas de bancos ao longo do percurso.
Os antigos muros e passarela de vigia, que obstruíam a paisagem, foram mantidos como marca histórica. Contudo, assim como em muitos de seus projetos, a arquiteta paisagista trouxe novo simbolismo, transformando o antigo observatório em área caminhável, acessada por estruturas metálicas que dispões de escadas, permitindo amplo mirante à nova paisagem e do outro, o córrego Carajás.
Com 90 mil metros quadrados, a área funciona como um oásis, vislumbrando áreas verdes tratadas e desenho paisagístico respeitando espécies existentes. Entre as alterações topográficas, um pequeno morro de terra foi criado, quebrando a estaticidade visual do terreno planificado e também por recobrir os resquícios de entulho da demolição. Trilhas foram adicionadas e paus-ferro foram plantados na extensão da alameda.
Por último, foi inaugurada a área institucional em 2007, com um conjunto de edifícios propostos pelo escritório Aflalo & Gasperini. Na nova área, a praça, prédio da Biblioteca e ETEC, são facilmente acessados, visto que têm entrada ao lado da estação Carandiru (linha azul do metrô).
Dois dos edifícios existentes na gleba foram reformados e deram lugar à escola técnica.
Apesar de obras faseadas, o conjunto cria unanimidade pela disposição vegetal e programática, conferindo áreas verdadeiramente utilizadas pelo público.
Do ponto de vista urbanístico, o extenso terreno com virtudes urbanas, conformado em área predominantemente residencial e comercial, entre importantes eixos viários da região, linha de metrô e ainda corpo d’água, o córrego Carajás, traz consigo fortes meios de ocupação.
A interligação com a linha de metrô permite que além dos moradores da região, moradores de outras regiões possam facilmente deslocar-se ao Parque.
O paisagismo que mistura espécies existentes ao novo maciço vegetal plantado dispõe de grandes clareiras, gramas, como área destinada à prática de atividades, exercícios, piqueniques, além de áreas arborizadas, permitindo sombreamento, com árvores agindo como planos de teto.
Em linhas gerais, o projeto foi responsável pela ressignificação espacial, transformando as sofridas marcas históricas do local, em áreas fluídas e passíveis de serem vivenciadas por cerca de 80 mil pessoas que o frequenta mensalmente.
Este artigo foi originalmente publicado no ArchDaily. Para ver o post original, clique AQUI.